domingo, 15 de março de 2015

Acaçá a comida de todos os orixás




Acaçá a comida dos orixás







As definições mais elementares do acaçá (akàsà) dizem que se trata de uma pasta de milho branco ralado ou moído envolvida, ainda quente em folhas de bananeira. A definição é correta, mas extremamente superficial, pois o acaçá é de longe a comida mais importante do candomblé. Seu preparo e forma de utilização nos rituais e oferenda, envolve preceitos e regulamentos bem rígidos que nunca podem deixar de ser observados. Todos os orixás, de Exú a Oxalá, recebem acaçá, todas as cerimônias, do ebó mais simples aos sacrifícios de animais, levam acaçá. Em rituais de iniciação, de passagens fúnebres e tudo o mais que ocorra em uma casa de candomblé só acontece com presença de acaçá. a vida e a morte no candomblé se processam à partir dessa oferenda fundamental, sem a qual nenhum homem seria poupado dos dessabores e percalços do destino. Quando recorremos à história dos orixás, percebemos o grande mal que a humanidade se submete todas as vezes em se afasta do poder divino, representado nesse caso,pelo poderoso Orun a morada de todas as divindades,
e pelo deus supremo Senhor do Destino dos Homens, Olodumaré também conhecido como Olorum.
Certa vez, a terra foi acometida por uma terrível seca. Havia anos que não chovia, as mulheres estavam estéreis, o solo infértil a fome, a doença a morte assolavam a população. A iminência da destruição levou os orixás a consultar Ifá o deus de todos os oráculos, que revelou a nacessidade de se fazer uma grande oferenda ao próprio deus Olodumaré,que há muito já não se ocupava dos problemas da Terra nem dos homens. Conforme transcrição do texto sagrado. Ifá disse aos orixá que:

Tí àwon bà ì leè se Ìrúbo yí
Àánú àwon lati máa se olódumarè nigbá gbogbo.
Lati môo fì àwon si iránti itójú ayé ´yi
Ba ´yi ni ó bá ebo halé
Wón fi ewéré han,
Àgùtàn han,
Ajá han àti adie è han,
Èyelé han, ehuú han
Aja à han àti adie è han,
Àti erinlá han pèlú
Eyeègbó han
Èye òdàn han,
Eranngbó han
Eran òdàn han, eranlè...

Somente se pudessem fazer oferenda,
Olodomaré teria sempre
misericórdia deles.
Ela se lembraria deles e
zelaria pelo mundo,
Foi assim que prepararam
a oferenda.
Eles colocaram:
Uma cabra,
Uma ovelha,
Um cachorro e
uma galinha.
Um pombo,
Um preá,
Um peixe,
Um ser humano,
Um touro selvagem,
Um pássaro da floresta,
Um pássaro da savana,
Um animal doméstico...
A lista de oferendas segue e nos faz supor que está indicando uma grandeza e não um conjunto de oferendas propriamente dito. Em outros termos, era preciso ofertar algo a Olodumaré que pudesse representar todos os seres vivos da Terra, e nesse contexto insere-se o valor do simbólico.Os signifi-cados profundos de alguma coisa acabam evocando aquilo que por foça das circunstâncias,ou mesmo por impossibilidade reais, é abstraído. Todavia, que a oferenda poderia substituir um sacrifício desta proporção, contendo, inclusive um ser humano?
Só existe uma oferenda capaz de restituir o axé e devolver a paz e a prosperidade na Terra,e ela é justamente o acaçá. Mas o que faz de uma comida aparentemente tão simples a maior das oferendas aos orixás? Será que todos sabem o que realmente é um acaçá? Façamos então uma classificação dos
elementos que compõem o acaçá para chegarmos a derradeira conclusão. Primeiramente, é preciso esclarecer que a pasta branca a base de farinha de milho (que fica alguns dias de molho e depois é passada pelo pilão ou moinho) chama-se na verdade eco (èko). Depois de coxear, uma porção da pasta, ainda quente, é envolvida em um pedaço de folha de bananeira (ewé- éko) para enrijecer ( na Africa é utilizada outra folha, chamada èpàpo), tornando-se agora sim o acaçá.
Percebe-se a fundamental importância da folha de bananeira, uma vez que o eco só passa a ser acaçá
quando envolvido em uma folha verde que lhe atribui existência individualizada, pois passa a ser uma porção desprendida da massa, assim como o emi, que da vida aos seres, é na verdade, uma parte da atmosfera, ou do próprio Olorum que todo ser leva dentro de si, o sopro da vida, o ar que respiramos.
Portanto , o acaçá é um corpo, o símbolo de um ser. A única oferenda que restitui e redistribui o axé, é importante insistir que o que faz o acaçá um corpo único, eminente representação de um ser, é a folha,seu poderoso invólucro verde, que lhe confere individualidade e força vital diante do poderoso Orum, dos orixás e do grande deus Olodumaré.Somente a água é tão importante quanto o acaçá pois não existe substituto para nenhum dos dois, que são, a exemplo do obi, elementos indispensáveis em qualquer ritual. Ambos configuram-se como símbolos da vida, e é justamente afastar a morte do caminho das pessoas, para que o sacrifício não seja o homem, que são oferecidos.
o acaçá remete ao maior significado que a vida pode ter, a própria vida. E por ser o grande elemento apaziguador, que arranca a morte, a doença, a pobreza e outros males do seio da vida, tornou-se a comida e predileção de todos os orixás.

         
                             

                                 O grande fundamento

Nem todas as palavras são suficientes para decifrar o valor do acaçá. Basta admitir que os segredos estão nas coisas mais simples para ver que muitos julgaram insignificantes, a comida mais importante
do candomblé, banalizando o segredo e privilegiando a intuição em detrimento do fundamento.
Fato é que quem não faz um bom acaçá não é um bom conhecedor do candomblé, pois as regras e diretrizes da religião dos orixás nunca foram ditadas pela intuição. Constituem grandes ensinamentos
cristalizados ao longo de anos e anos de tradição. Aos incautos vale afirmar que candomblé não é intuição mas fundamento sim, e fundamento se aprende. Fundamento é o segredo compartilhado, o mistério sagrado, o detalhe que faz a diferença e a prova de que ninguém pode enganar o orixá. Aqui o grande fundamento é que o sangue dos animais sacrificados jamais pode jorrar sobre os ibás (igbá) sem a presença do elemento pacificador, pois o acaçá simboliza a paz. Quando ofertado e retirado do seu invólucro verde, tornando-se comida de Oxalá que agrada a todos os orixás. A primeira oferenda que se deve ser colocada diretamente no assentamento, juntamente com obi e a água, antes de qualquer sacrifício. Muitas vezes o sangue do animal não é colocado diretamente no ibá, a panela onde se faz o assentamento para o orixá. Primeiramente, no candomblé, o ejé (sangue) é batido, porque a " quentura" do sangue, seu vermelho intenso, agride ou se choca a energia de orixás, como oxalá por exemplo. O acaçá deve permanecer fechado, imaculado até o momento de ser entregue ao orixá, só então é retirado da folha.É como se o sagrado tivesse oculto até a hora da oferenda, prova de que o segredo, prova de que o segredo é quase sempre quase sempre um elemento consagrado. E o segredo do acaçá é enrolar o ecó na folha de bananeira, é que mantém o terreiro em pé. Não existe acaçá que não seja enrolado na folha de bananeira entretanto a imprudência vigora em muitos terreiros e não raras vezes se ouve falar de "novas iguarias"apresentadas como acaçá. Os mais comuns são os "acaçás" de pia e de forno. No primeiro caso, a massa de ecó, mais grossa, é colocada as colheradas sobre o mármore das pias, onde os"bolinhos"esfriam antes de ser em utilizados nos ritos. Na segunda " receita", a massa é espalhada em uma fôrma e posteriormente cortada em quadradinhos. Este é um procedimento incorreto e condenável, e as pessoas que agem assim então faladas ao insucesso e não podem ser consideradas pessoas de axé. Não há candomblé sem acaçá, nem acaçá sem folha. A religião não admite modificações na essência, e essa comida é essencial portanto inviolável.


































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